quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Weber, João Calvino, Teoria da Predestinação e Capitalismo

Max Weber, economista e sociólogo alemão, na obra "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" busca investigar as razões do Capitalismo ter se desenvolvido primeiro em países onde se iniciaram as reformas religiosas nos anos iniciais do século XVI. O autor chega à conclusão que este desenvolvimento é devido aos próprios hábitos e concepções de vida ligados ao protestantismo na época. Minha análise tem como foco principal a "Teoria da predestinação" de João Calvino. Talvez esta minha reflexão não agrade a alguns, pois coloca em cheque as ideias de um dos ícones da reforma protestante. Pensei diversas vezes em não postar sobre o assunto, mas percebo que é algo interessante refletir sobre tal temática.

Inicialmente, vale lembrar que a Igreja Católica Medieval interpretava a Bíblia à sua maneira e, no que diz respeito à riqueza, não havia muitas dúvidas: frequentemente a riqueza era associada a tabus. O primeiro desses tabus aparece no livro de Gêneses, quando Adão é expulso do Paraíso e Deus o condena a trabalhar com suas próprias mãos: 
"a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos, e cardos também, te produzirá; e comerás a erva do campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás" (Gênesis 3.17-19).

Além disso, a expressão encontrada no Evangelho de que “é mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um rico entrar no reino de Deus” (Marcos 10.25) também fornecia bases para se pensar a riqueza. Na Idade Média, a Igreja era a principal instituição política e religiosa e por isso os textos bíblicos eram seguidos quase que cegamente de forma literal, sem interpretação alguma. Na compreensão da Igreja, trabalhar foi uma punição recebida pelo homem por causa do pecado de Adão e Eva. Portanto, em uma sociedade na qual o trabalho é desprezado pelas classes dominantes, ele também o é pelos menos abastados. Os nobres e o clero consideravam vil trabalhar com as mãos para garantir o sustento, mesmo porque, por ser um castigo dado ao homem, o trabalho era visto como uma forma de penitência.

João Calvino (1509-1533) foi um teólogo e professor cristão francês. Veio a acrescentar novas ideias ao Luteranismo. Calvino teve um papel histórico fundamental no processo da Reforma Protestante. Foi o iniciador do movimento religioso protestante conhecido por “Calvinismo”, embora ele próprio repudiasse o nome.

Para ele, além da fé, havia a "predestinação" da alma, em que algumas pessoas já haviam sido “eleitas” para a salvação eterna. Deus enviaria os sinais para que o fiel soubesse se seria salvo ou não. Um desses sinais era a possibilidade de adquirir riquezas pelo trabalho, e essa era uma tese muito interessante para grande parte da burguesia, que ainda estava sofrendo ataques por parte da Igreja. Assim, o próprio Deus assinalaria o fiel que deveria ser salvo com uma vida de bem-estar e posses. Vale recordar que para a Igreja Católica da época a acumulação de riquezas era vista como pecado.

Assim, o que antes significava o castigo divino pelo pecado original de Adão e Eva, apregoada pela Igreja Católica Medieval, implicando dor e humilhação, passou a designar uma condição básica para a salvação diante de Deus, que poderia propiciar riqueza e dignidade. O trabalho passou a dignificar o homem e a qualificá-lo, tornando-se um indicador de posição social.

A vida após a morte era uma preocupação muito presente para os homens daquela época. A ideia de trabalhar, enriquecer e ainda assim salvar a alma mudava completamente o cenário social. Desse modo, os reis concentravam poder político e a burguesia, poder econômico. Os nobres perdiam o poder de aplicar a justiça e cobrar impostos, funções que passaram a ser papel do Estado, isto é, uma entidade política que não depende mais dos governantes. O rei ainda tem o poder, mas o Estado impõe, por sua estrutura, as formas de governar.

Os reis também procuravam se livrar do poder da Igreja Católica, submetendo-a ao seu controle. Esse foi o caso da Inglaterra, onde o rei Henrique VIII (1491-1547) desejava expandir seu poder, porém encontrava obstáculos na presença do clero. O conflito entre o rei e o papa atingiu seu ponto máximo na recusa do pontífice em conceder divórcio ao rei. Como a rainha Catarina não havia lhe dado um herdeiro, o monarca alegava que tinha direito ao divórcio. O papa Clemente VII, diante da situação, excomungou Henrique que, em seguida, determinou que o Parlamento votasse os Estatutos da Supremacia. A partir daí, o rei se tornava líder supremo da igreja na Inglaterra, que recebeu o nome de “Igreja Anglicana”. Esse caso nos revela como a vontade dos monarcas era a de concentrar, cada vez mais, poder político em suas mãos.

Renato Collyer



Referências Bibliográficas
COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral: Volume 2 – 1ª edição – São Paulo, Saraiva, 2010.
HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
ARRUDA, José Jobson de A. e PILETTI, Nelson. Toda a História. 4 ed. São Paulo: Ática, 2000.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 13. ed. São Paulo: Editora Martin Claret, 2001.

Um comentário: